Câmara obscura
SE SEGUISSE a doutrina de Arlindo Chinaglia (PT-SP), presidente da Câmara dos Deputados, a Casa deveria adotar um orçamento secreto. Nunca mais precisaria prestar contas. Não passaria pelo constrangimento de ter de se explicar a cada vez que um parlamentar escolhido para presidi-la distribui as benesses prometidas para angariar votos do baixo clero.
Não há outra explicação para a reação destemperada de Chinaglia às críticas por ter criado despesa de R$ 61,4 milhões anuais, com o aumento da verba de gabinete. Para o presidente da Câmara, questionar os R$ 60 mil reservados a cada um dos 513 deputados para contratar funcionários (verba antes inferior a R$ 51 mil) equivale a defender a "demissão em massa" de servidores.
Não contente com o reajuste de 15,13% baseado no IGP-M, o índice mais alto de inflação, a Mesa da Câmara adicionou-lhe um aumento real de 2,9%. Chinaglia acha que fez justiça: "Aquilo que é apenas a reposição de perdas, que é normal na vida de qualquer trabalhador".
Alguém precisa explicar ao deputado petista que a Câmara é um órgão do Estado. Teórica e juridicamente, deve regular-se por princípios como impessoalidade, moralidade, probidade e publicidade. Normalidade, ali, é artigo raro.
Fosse gerida por administradores responsáveis, a Casa teria de render-se às evidências do "benchmarking". Na comparação com instituições congêneres, a Câmara sobressai como uma das mais perdulárias do mundo. Cada deputado brasileiro acarreta despesa de no mínimo R$ 113 mil mensais (R$ 1,36 milhão ao ano) para os cofres públicos.
O deputado Arlindo Chinaglia preferiria o silêncio, mas há muito a explicar. Por que os deputados precisam de uma legião de 9.500 assessores? Por que podem distribuir a verba de gabinete num leque de 5 a 25 servidores, arbitrando proventos segundo sua conveniência? Por que fazem jus a um 14º e um 15º salário? Por que o contribuinte tem de pagar-lhes a cada mês o salário indireto de R$ 18 mil em "verba indenizatória" e "auxílio-moradia"? Por que nada disso basta para cobrir gastos com correio, telefone, publicações e passagens aéreas, álibis para sacar outros R$ 15.500 por mês?
Tem a palavra o sr. presidente da Câmara dos Deputados.
FONTE: Editorial da Folha de São Paulo (18.04.08)
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